sexta-feira, 27 de maio de 2011
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Cecília Meireles
'É preciso cuidado com o arisco, senão ele foge. É preciso aprender a se movimentar dentro do silêncio e do tempo. Cuidado com as ilusões, mocinha, profundas e enganosas feito o mar. E outra coisa – não se esforce. Pelo menos, não tanto. Não fique ai remando contra a maré, dando murro em ponta de faca. Veja – se não fora pra ser, não vai ser. Acredite em mim. Coisa boba essa sua tentativa de ir além. E olhe, eu não estou pedindo pra você desistir não, não é isso. Eu só quero que você pense mais… que tenha argumentos melhores. Mas pensando bem... não faz diferença se você vem amanhã ou não vem. É, desisti de esperar por alguém cuja ausência me faz companhia. Às vezes, quando ainda valia a pena, eu ficava horas pensando que podia voltar tudo a ser como antes. Quero mudar minha vida. Tenho 19 anos, é tempo de fazer alguma coisa. Talvez eu tenha medo demais, e isso chama-se covardia. Fico me perdendo em páginas de diários, em pensamentos e temores, e o tempo vai passando. Covardia é uma palavra feia. Receio de enfrentar a vida cara a cara. Descobri que não me busco ou, se me busco, é sem vontade nenhuma. Fuga, o tempo todo fuga, intercalada por períodos de reconhecimento. Suavizada às vezes, mas sempre fuga. Ela explicava, sorrindo: — Não, gurizinho. Quando a gente gosta mesmo duma pessoa, a gente faz essas coisas. Viro outra vez aquilo que sou todo dia: fechada, sozinha, perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada.'
Caio Fernando Abreu
terça-feira, 24 de maio de 2011
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Lygia F. Telles (As Meninas)
Raduan Nassar, Lavoura Arcaica